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Ao longo de sua história, a Rússia tem sido apartada da dinâmica européia. Seu nacionalismo e ideologia nacional são marcados por um jogo duplo de atração e repulsão em relação a Europa em particular e ao Ocidente em geral.
O famoso eslavista italiano Aldo Ferrari aponta que do século X ao XIII, a Rússia de Kiev estava bem integrada no sistema econômico medieval. A invasão tártara afastou a Rússia do Ocidente. Posteriormente, quando o Principado de Moscou se reorganizou e expulsou os resíduos do Império Tártaro, a Rússia passou a se ver como uma nova Bizâncio Ortodoxa, diferente do Ocidente católico e protestante. A vitória de Moscou deu início ao impulso russo em direção à vastidão siberiana.
A ascensão de Pedro o Grande, o reinado de Catarina a Grande, e o século XIX trouxeram uma tentativa de reaproximação com o Ocidente.
Para muitos observadores, a revolução comunista inaugurou uma nova fase de isolamento autárquico e desocidentalização, apesar da origem euro-ocidental de sua ideologia, o marxismo.
Mas a ocidentalização do século XIX não havia sido unanimemente aceita. No início do século, uma corrente fundamentalista, romântica e nacionalista apareceu com veemência por toda a Rússia: contra os “ocidentalistas” emergiram os “eslavófilos”. A maior clivagem entre a esquerda e a direita nasceu na Rússia, no rastro do romantismo alemão. Ela está viva ainda em Moscou, onde o debate está cada vez mais vivo.
O líder dos ocidentalistas no século XIX era Piotr Chaadaev. As mais notáveis figuras do campo “eslavófilo” eram Ivan Kireevski, Aleksei Khomiakov, e Ivan Axakov. O ocidentalismo russo se desenvolveu em diversas direções: liberal, anarquista, socialista. Os eslavófilos desenvolveram uma corrente ideológica se apoiando em dois sistemas de valores: cristianismo ortodoxo e comunidade camponesa. Em termos não-propagandísticos, isso significava a autonomia das igrejas nacionais e um selvagem anti-individualismo que considerava o liberalismo ocidental, especialmente sua variedade anglo-saxã, como uma verdadeira abominação.
Ao longo das décadas, essa divisão se tornou cada vez mais complexa. Certos esquerdistas evoluíram em direção a um particularismo russo, um socialismo anti-capitalista anarco-campesino. A direita eslavófila se transmutou no “pan-eslavismo” manipulado para promover a expansão russa nos Balcãs (apoiando romenos, sérvios, búlgaros e gregos contra os otomanos).
Entre estes “pan-eslavistas” estava o filósofo Nikolay Danilevsky, autor de um audacioso panorama histórico retratando a Europa como uma comunidade de velhos drenados de suas energias históricas, e os eslavos como uma falange de povos jovens destinados a governar o mundo. Sob a direção da Rússia, os eslavos devem tomar Constantinopla, reassumir o papel de Bizâncio, e construir um império imperecível.
Contra o programa de Danilevsky, o filósofo Konstantin Leontiev queria uma aliança entre Islã e Ortodoxia contra o fermento liberal de dissolução do Ocidente. Ele se opunha a todo conflito entre russos e otomanos nos Balcãs. O inimigo era acima de tudo anglo-saxão. A visão de Leontiev ainda tem apelo para muitos russos hoje.
Finalmente, no Diário de Inverno, Dostoévski desenvolveu idéias similares (a juventude dos povos eslavos, a perversão do Ocidente liberal) às quais ele acrescentou um anti-catolicismo radical. Dostoévski veio a inspirar em particular os “nacional-bolcheviques” alemães da República de Weimar (Niekisch, Paetel, Moeller van den Bruck, que foi seu tradutor).
Após a construção da ferrovia trans-siberiana sob a direção enérgica do ministro Witte, uma ideologia pragmática e autárquica de “eurasianismo” emergiu que objetivava colocar a região sob controle russos, fosse dirigida por um Czar ou por um Vojd (“Chefe”) soviético.
Os ideólogos “eurasianos” são Troubetzkoy, Savitski e Vernadsky. Para eles, a Rússia não é uma parte oriental da Europa mas um continente em si mesmo, que ocupa o centro da “Ilha Mundial” que o geopolítico britânico Halford John Mackinder chamava de “Heartland”. Para Mackinder, a potência que conseguisse controlar “Heartland” era automaticamente mestre do planeta.
De fato, essa “Heartland”, nomeadamente a área se estendendo de Moscou aos Urais e dos Urais ao Transbaikal, era inacessível para potências marítimas como Inglaterra e Estados Unidos. Isso poderia, portanto, mantê-los em cheque.
A política soviética, especialmente durante a Guerra Fria, sempre tentou realizar os piores temores de Mackinder, i.e., tornar o centro russo-siberiano da URSS impregnável. Mesmo na era do poder nuclear, da aviação e dos mísseis transcontinentais. Essa “santuarização” da “Heartland” soviética constituía a ideologia semi-oficial do Exército Vermelho de Stálin a Brezhnev.
Os neo-nacionalistas imperiais, os nacional-comunistas e os patriotas se opunham a Gorbachev e Iéltsin porque eles desmantelaram os glacis euro-orientais, ucraniano, bálticos e centro-asiáticos dessa “Heartland”.
Essas são as premissas do nacionalismo russo, cujas múltiplas correntes hoje oscilam entre um pólo populista-eslavófilo (“narodniki”, de “narod”, povo), um pólo pan-eslavista, e um pólo eurasiano. Para Aldo Ferrari, o nacionalismo russo de hoje é subdividido entre quatro correntes: (a) neo-eslavófilos, (b) eurasianistas, (c) nacional-comunistas, e (d) nacionalistas étnicos.
Os neo-eslavófilos são primariamente aqueles que defendem as teses de Solzhenitsyn. Em Como Restaurar nossa Rússia?, o escritor exilado nos Estados Unidos pregava colocar a Rússia em uma dieta: Ela deve desistir de todas as inclinações imperiais e reconhecer plenamente o direito a autodeterminação dos povos em sua periferia. Solzhenitsyn então recomendava uma federação das três grandes nações eslavas da ex-URSS (Rússia, Bielorrússia e Ucrânia). Para maximizar o desenvolvimento da Sibéria, ele sugeria uma democracia baseada em pequenas comunidades, um pouco como o modelo suíço. Os outros neo-nacionalistas o reprovam por mutilar a pátria imperial e por propagar um utopismo ruralista, irrealizável no mundo hipermoderno em que vivemos.
Os eurasianistas estão por todo lugar na arena política russa atual. O filósofo a quem eles se referem é Lev Gumilev, um tipo de Spengler russo que analisa os eventos da história segundo o grau de paixão que anima um povo. Quando o povo é apaixonado, ele cria grandes coisas. Quando a paixão interior fenece, o povo declina e morre. Tal é o destino do Ocidente.
Para Gumilev, as fronteiras soviéticas são intangíveis, mas a nova Rússia deve aderir ao princípio do pluralismo étnico. Não é, assim, uma questão de russificar o povo da periferia, mas de torná-los aliados definitivos do “povo imperial”.
Gumilev, que morreu em junho de 1991, interpretou as idéias de Leontiev em uma direção secular: os russos e os povos túrquicos da Ásia Central deveriam fazer causa comum, deixando suas diferenças religiosas de lado.
Hoje, a herança de Gumilev é encontrada nas colunas de Elementy, a revista da “Nova Direita” russa de Aleksandr Dugin, eDyeinn (que se tornou Zavtra, após a proibição de outubro de 1993), o jornal de Aleksandr Prokhanov, os principais escritores e jornalistas nacional-patrióticos. Mas também é possível encontrá-la entre certos muçulmanos do “Partido do Renascimento Islâmico”, em particular Djemal Haydar. Mais curiosamente, dois membros da equipe de Iéltsin, Rahr e Tolz, eram seguidores do eurasianismo. Seus conselhos não eram seguidos.
Segundo Aldo Ferrari, os nacional-comunistas afirmam a continuidade do Estado soviético como uma entidade histórica e espaço geopolítico autônomo. Mas eles compreendem que o marxismo não é mais válido. Hoje, eles defendem uma “terceira via” em que o conceito de solidariedade nacional é fundamental. Este é particularmente o caso do chefe do Partido Comunista da Federação Russa, Gennady Zyuganov.
Os nacionalistas étnicos são inspirados mais pela extrema-direita russa pré-1914 que desejavam preservar a “pureza étnica” do povo. Em um certo sentido, eles são xenófobos e populistas. Eles querem que o povo do Cáucaso retorne a suas terras e são às vezes antissemitas estridentes, na tradição russa.
De fato, o neo-nacionalismo russo está enraizado na tradição do nacionalismo do século XIX. Na década de 60, os neo-ruralistas (Valentine Rasputin, Vassili Belov, Soloukhine, Fiodor Abramov, etc.) passaram a rejeitar completamente o “liberalismo ocidental”, com base em uma verdadeira “revolução conservadora” – tudo com as bençãos da estrutura do poder soviético!
A revista literária Nache Sovremenik foi tornada o veículo oficial dessa ideologia: neo-ortodoxa, ruralista, conservadora, preocupada com valores éticos, ecológica. O comunismo, eles diziam, extirpava a “consciência mítica” e criou uma “humanidade de monstros amorais” completamente “depravados”, prontos para aceitar miragens ocidentais.
Finalmente, essa “revolução conservadora” foi silenciosamente imposta na Rússia enquanto no Ocidente a mascarada de 1968 causou a catástrofe cultural com a qual ainda sofremos.
Os conservadores russos também põem um fim ao fantasma comunista da “interpretação progressiva da história”. Os comunistas, de fato, aceitavam do passado russo tudo que pressagiasse a revolução e rejeitavam o resto. Para a “interpretação progressista e seletiva”, os conservadores opunham o “fluxo único”: eles simultaneamente valorizavam todas as tradições históricas russas e relativizaram mortalmente a concepção linear do marxismo.
Source: http://legio-victrix.blogspot.com/2014/04/robert-steuckers-fundacoes-do.html
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