Mito, Utopia e a Realidade do Pluriverso

Kris Kurski, "Imminent Utopia" [1]

Kris Kurski, “Imminent Utopia”

975 words

English original here [2]

De modo a traçar os contornos futuros do espaço geográfico global dentro das perspectivas da luta revolucionária e da ideologia política nós devemos começar com uma clara estrutura metodológica.

Minha tese é bastante simples e é baseada em uma proposição de Georges Sorel sobre a dicotomia entre formações sociais e políticas. Ele dividiu estas em dois tipos: (1) aquelas que possuíam um mito como base para sua ideologia, e (2) aquelas que apelavam a idéias utópicas. A primeira categoria ele atribuiu ao socialismo revolucionário, onde os verdadeiros mitos revolucionários não são descrições de fenômenos, mas a expressão de vontade humana. A segunda categoria é a dos projetos utópicos, que ele atribuiu à sociedade burguesa e ao capitalismo.

Em contraste ao mito, com suas atitudes irracionais, a utopia é um produto de labor mental. Segundo Sorel, ela é o trabalho de teóricos que estão tentando criar um modelo com o qual criticar a sociedade existente e medir o bem e o mal dentro dela. A utopia é um conjunto de instituições imaginárias, mas também oferece uma plenitude de analogias claras a instituições reais.

Mitos nos impelem a lutar, enquanto utopias objetivam reformas. Não é acidente que alguns utopistas após adquirir experiência política se tornam hábeis estadistas.

O mito não pode ser refutado, já que ele é mantido em acordo como uma crença da comunidade e é assim irredutível. Utopias, porém, podem ser consideradas e rejeitadas.

Como sabemos, as várias formas de socialismo, tanto na esquerda como na direita do espectro político foram efetivamente construídas sobre mitos, como prontamente evidenciado nas obras de seus defensores. É suficiente relembrar o “Mito do Século XX” de Alfred Rosenberg, que se tornou apologista para o nazismo na Alemanha.

No lado oposto de socialismo nós também vemos uma base mitológica, ainda que ela seja analisada post-facto. Mesmo enquanto Marx disse que o proletariado não necessita de mitos que serão destruídos pelo capitalismo, Igor Shafarevich conclusivamente demonstrou o elo das expectativas escatológicas do Cristianismo primitivo com o socialismo. A Teologia da Libertação na América Latina também confirma a forte presença do mito em ação dentro do socialismo de esquerda do século XXI.

Se falamos nos termos da segunda e terceira teorias políticas que se confrontaram com o liberalismo, é pertinente relembrar a observação de Friedrich von Hayek, que em sua obra A Estrada para a Servidão nota que, “em fevereiro de 1941, Hitler sentiu apropriado dizer em um discurso público que o Nacional-Socialismo e o Marxismo são basicamente a mesma coisa“.

É claro, isso não diminui a importância do mito político moderno, e também explica o ódio dele exibido pelos representantes do liberalismo moderno. Assim, alternativas políticas; seja a Nova Direita, o Indigenismo ou o Eurasianismo, apresentam uma nova ameaça totalitária para neoliberais. Liberais, tanto clássicos como neoliberais, nos negam nossos ideais, porque eles pensam que eles são majoritariamente mitológicos em caráter e assim não podem ser traduzido para a realidade.

Agora de volta para a utopia. A economia política liberal, como corretamento notado por Sorel, é, em si, um dos melhores exemplos de pensamento utópico. Todas as relações humanas são reduzidas à forma das trocas do livre-mercado. Esse reducionismo econômico é apresentado pelos utopistas liberais como uma panacéia para conflitos, incompreensões e todos os tipos de distorções que emergem em sociedades.

A doutrina do utopianismo emergiu a partir das obras de Tommaso Campanella, Francis Bacon, Thomas More e Jonathan Swift, bem como  de filósofos liberais como o líder dos radicais britânicos Jeremy Bentham. A corporificação da utopia foi erigida primeiro, por seus adeptos, sobre uma rígida política regulatória, que, ao mesmo tempo que incluía a violência como forma de coerção sobre seus cidadãos. Ela então passou à expansão colonial, que permitia o acúmulo de capital e o estabelecimento de um “padrão civilizado” singular para outros países. Então o utopianismo liberal foi ainda mais longe, se tornando, nas palavras de Bertram Gross, “fascismo amigável”, no sentido de que ele passou a institucionalizar a dominação e a hegemonia através de um regime de Direito Internacional e regulamentos. Por volta dessa época, a utopia liberal ela mesma tornou-se um mito moderno: tecnocêntrica, racional e totalitária; emasculando a primeira idéia utópica de uma sociedade justa e substituindo-a por materialismo e Direito utilitário, tornando-se, em efeito, uma distopia.

No caso tanto de sociedades mitocêntricas, e utopias, consistentemente implementadas através de experimentos com o direito, a economia, a filosofia e a política, houve um grande equívoco em tentar estender o modelo globalmente. O fascismo e o marxismo caíram historicamente primeiro, porém, o liberalismo também tem sido chamado em questão agora, como precognitivamente notado por Lukács em sua obra O Fim do Século XX e o Fim da Era Moderna por volta de 20 anos atrás.

Tanto mito como utopia, ambas, derivam suas forças do mundo pluriversal, homogenizando-o e ao mesmo tempo destruindo sua riqueza de culturas e cosmovisões. O Pluriversum era a realidade em que a superestrutura da Utopia foi formada. É também onde camadas mitológicas foram despertadas por certas forças na era moderna e dirigidas a implementar projetos históricos violentos.

Dentro da realidade pluriversal há espaço tanto para mito como para utopia, se elas estiverem limitadas a certos espaços com características civilizacionais únicas e separadas umas das outras por limites geográficos. O mito pode ser realizado na forma de teocracia ou império futurológico. Uma utopia pode ao mesmo tempo também impelir na direção de uma tecnópole biopolítica ou um caldeirão de nações, mas separadamente de ordens mitocêntricas.

Carl Schmitt sugeriu a construção e reconhecimento de tais “Grandes Espaços Políticos” autocontidos, ou Grossraum. A formação desses espaços demandaria um programa global de pluriversalismo, apelando aos mitos distintos e fundações culturais de vários povos, que podem variar de diversas maneiras, mas devem ter uma coisa em comum como pré-requisito – a desconstrução da superestrutura da utopia neoliberal nascente.

Source: http://legio-victrix.blogspot.com/2013/09/mito-utopia-e-realidade-do-pluriverso.html [3]