Filippo Marinetti

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Filippo Marinetti, 1876-1944, era diferente da maior parte da vanguarda cultura do século XIX. Eles estavam rebelando-se contra o espírito de vários séculos de liberalismo, racionalismo, a ascensão das massas democráticas, o industrialismo, e o domínio da elite financeira. Sua revolta contra o impacto nivelador da era democrática não intencionava retornar a certas “idades do ouro” percebidas como a era medieval sustentada por Yeats e Evola, ou rejeitar a tecnologia em favor de um retorno à vida rural, como advogado por Henry Williamson e Knut Hamsun. Ao contrário, Marinetti abraçava os novos fatos da tecnologia, da máquina, da velocidade, e da energia dinâmica, em um movimento chamado Futurismo.

A resposta futurista para os fatos da nova era é então uma reação bastante singular dos artistas e letrados anti-liberais e uma que continua a influenciar certos aspectos de sub-culturas industriais e pós-industriais.

Marinetti nasceu na Alexandria em 1876. Ele formou-se em Direito em Gênova em 1899. Apesar de os aspectos políticos e filosóficos do curso terem mantido seu interesse, ele viajou frequentemente entre França e Itália e interessou-se pelas artes avant-garde do fim do século XIX, promovendo jovens poetas em ambos países. Ele já era um forte crítico das abordagens conservadores e tradicionais de poetas italianos. Ele era nessa época um entusiasta da música moderna e revolucionária de Wagner, vendo-a como assaltando “o equilíbrio e a sobriedade…a meditação e o silêncio…”

Por volta de 1904, elementos futuristas já haviam se manifestado em sua escrita, particularmente seu poema “Destruição” que ele chamou de “um poema erótico e anarquista”, um eulogio ao “mar vingativo” como um símbolo da revolução. Após uma destruição apocalíptica, o processo de reconstrução começa nas ruínas do “Velho Mundo”. Aqui já há o elogio da morte como dinâmica e transformadora.

Com a morte do pai de Marinetti em 1907, sua herança permitiu-lhe viajar bastante e ele tornou-se uma figura cultural conhecida por toda Europa. Nietzsche era à época um dos intelectuais mais conhecidos que desejavam a liberação da velha ordem. Nietzsche era amplamente lido pelos letrados da Itália, e o futuro colega intervencionista de Marinetti, D’Annunzio, era o mais proeminente em promovê-lo naquele país.

Entre os outros filósofos de particular interesse que Marinetti estudou estava o teórico sindicalista francês Georges Sorel. Esse sindicalismo soreliano rejeitava o marxismo em favor de uma sociedade composta por pequenas unidades cooperativas de produção ou sindicatos, e fundava um novo mito de ação e luta heróicas. Desprezando o pacifismo da Esquerda, Sorel via a guerra como uma dinâmica de ação humana. Sorel por sua vez foi ele próprio influenciado por Nietzsche, e aplicando o Super-Homem nietzscheano ao socialismo, afirma que a revolução proletária necessita de líderes heróicos.

Sorel tornou-se influente não apenas entre sindicalistas de esquerda mais também entre certos nacionalistas radicais tanto na França como na Itália. Uma manifestação disso foi o Círculo Proudhon na França composto por monarquistas direitistas maurrasianos e sindicalistas revolucionários sorelianos, e batizado em homenagem ao assim chamado “pai do anarquismo”, em uma síntese que daria origem ao Fascismo naquele país ao mesmo tempo em que ele apareceu na Itália.

As idéias artísticas de Marinetti cristalizaram no movimento futurista que originou-se de um encontro de artistas e músicos em Milão em 1909 para rascunhar um Manifesto Futurista.  Com Marinetti estavam Carlo Carra, Umberto Boccioni, Luigi Russolo, e Gino Severini. O manifesto foi publicado pela primeira vez no jornal parisiense Le Figaro, e exortava a juventude a, “Cantar o amor pelo perigo, o hábito da energia e da ousadia”. O movimento inicial atraiu o interesse de anarquistas e sindicalistas da esquerda não-ortodoxa que buscavam uma revolta contra a “segurança” democrática burguesa.

Em 1913 o programa político futurista foi publicado, o qual serviu como a base para o estabelecimento do Partido Político Futurista em 1918; isto é, depois que Marinetti deu início a uma campanha para a entrada da Itália na Guerra Mundial, junto com Mussolini e D’Annunzio.

O Primeiro Congresso Fascista foi realizado em Florença em 1919, e Marinetti ressaltou que a atmosfera era preponderantemente futurista em sentimento, mas um pacto eleitoral entre os futuristas e os fascistas foi abortivo, e Marinetti insistiu em aderir à esquerda radical, ao mesmo tempo que ele mantinha um grande elemento de apoio entre os fascistas.

Em contraste com aqueles fascistas e nacionalistas que buscavam inspiração na Roma Clássica, os futuristas desprezavam toda tradição, tudo que pertencia ao passado: “Nós queremos exaltar o movimento agressivo…nós afirmamos que a magnificência do mundo foi enriquecida por uma nova beleza: a beleza da velocidade”.

A máquina era poeticamente elogiada. O carro de corrida tornou-se o ícone da nova época, “que parece correr como uma metralhadora”. A estética futurista devia ser a alegria na violência e na guerra, como “a única higiene do mundo”. Movimento, energia dinâmica, ação, e heroísmo eram os fundamentos da “cultura do futuro futurista”. A briga, a corrida, e o chute eram expressões de cultura. O Manifesto Futurista é tanto um desafio à ordem política e social como ao status quo nas artes.

Ele declarava:

1. Nós queremos cantar o amor ao perigo, o hábito da energia e da temeridade.

2. A coragem, a audácia, a rebelião serão elementos essenciais de nossa poesia.

3. A literatura exaltou até hoje a imobilidade pensativa, o extase, o sono. Nós queremos exaltar o movimento agressivo, a insônia febril, o passo de corrida, o salto mortal, o bofetão e o soco.

4. Nós afirmamos que a magnificência do mundo enriqueceu-se de uma beleza nova: a beleza da velocidade. Um automóvel de corrida com seu cofre enfeitado com tubos grossos, semelhantes a serpentes de hálito explosivo… um automóvel rugidor, que correr sobre a metralha, é mais bonito que a Vitória de Samotrácia.

5. Nós queremos entoar hinos ao homem que segura o volante, cuja haste ideal atravessa a Terra, lançada também numa corrida sobre o circuito da sua órbita.

6. É preciso que o poeta prodigalize com ardor, fausto e munificiência, para aumentar o entusiástico fervor dos elementos primordiais.

7. Não há mais beleza, a não ser na luta. Nenhuma obra que não tenha um caráter agressivo pode ser uma obra-prima. A poesia deve ser concebida como um violento assalto contra as forças desconhecidas, para obrigá-las a prostar-se diante do homem.

8. Nós estamos no promontório extremo dos séculos!… Por que haveríamos de olhar para trás, se queremos arrombar as misteriosas portas do Impossível? O Tempo e o Espaço morreram ontem. Nós já estamos vivendo no absoluto, pois já criamos a eterna velocidade onipresente.

9. Nós queremos glorificar a guerra – única higiene do mundo – o militarismo, o patriotismo, o gesto destruidor dos libertários, as belas idéias pelas quais se morre e o desprezo pela mulher.

10. Nós queremos destruir os museus, as bibliotecas, as academia de toda natureza, e combater o moralismo, o feminismo e toda vileza oportunista e utilitária.

11. Nós cantaremos as grandes multidões agitadas pelo trabalho, pelo prazer ou pela sublevação; cantaremos as marés multicores e polifônicas das revoluções nas capitais modernas; cantaremos o vibrante fervor noturno dos arsenais e dos estaleiros incendiados por violentas luas elétricas; as estações esganadas, devoradoras de serpentes que fumam; as oficinas penduradas às nuvens pelos fios contorcidos de suas fumaças; as pontes, semelhantes a ginastas gigantes que cavalgam os rios, faiscantes ao sol com um luzir de facas; os piróscafos aventurosos que farejam o horizonte, as locomotivas de largo peito, que pateiam sobre os trilhos, como enormes cavalos de aço enleados de carros; e o voo rasante dos aviões, cuja hélice freme ao vento, como uma bandeira, e parece aplaudir como uma multidão entusiasta.

É da Itália, que nós lançamos pelo mundo este nosso manifesto de violência arrebatadora e incendiária, com o qual fundamos hoje o “Futurismo”, porque queremos libertar este país de sua fétida gangrena de professores, de arqueólogos, de cicerones e de antiquários.

Já é tempo de a Itália deixar de ser um mercado de belchiores. Nós queremos libertá-la dos inúmeros museus que a cobrem toda de inúmeros cemitérios.

Museus: cemitérios!… Idênticos, na verdade, pela sinistra promiscuidade de tantos corpos que não se conhecem. Museus: dormitórios públicos em que se descansa para sempre junto a seres odiados ou desconhecidos! Museus: absurdos matadouros de pintores e escultores, que se vão trucidando ferozmente a golpes de cores e linhas, ao longo das paredes disputadas!

Que se vá lá em peregrinação, uma vez por ano, como se vai ao Cemitério no dia de finados… Passe. Que uma vez por ano se deponha uma homenagem de flores diante da Gioconda, concedo…

Mas não admito que se levem passear, diariamente pelos museus, nossas tristezas, nossa frágil coragem, nossa inquietude doentia, mórbida. Para que se envenenar? Para que apodrecer?

E o que mais se pode ver, num velho quadro, senão a fatigante contorção do artista que se esforçou para infrigir as insuperáveis barreiras opostas ao desejo de exprimir inteiramente seu sonho?…

Admirar um quadro antigo equivale a despejar nossa sensibilidade numa urna funerária, no lugar de projetá-la longe, em violentos jatos de criação e de ação.

Vocês querem, pois, desperdiçar todas as suas melhores forças nesta eterna e inútil admiração do passado, da qual vocês só podem sair fatalmente exaustos, diminuídos e pisados?

Em verdade eu lhes declaro que a frequência diária aos museus, às bibliotecas e às academias (cemitérios de esforços vãos, calvários de sonhos crucificados, registro de arremessos truncados!…) é para os artistas tão prejudicial, quanto a tutela prolongada dos pais para certos jovens ébrios de engenho e de vontade ambiciosa. Para os moribundos, para os enfermos, para os prisioneiros, vá lá:- o admirável passado é, quiçá, um bálsamo para seus males, visto que para eles o porvir está trancado… Mas nós não queremos nada com o passado, nós, jovens e fortes futuristas!

E venham, pois, os alegres incendiários de dedos carbonizados! Ei-los! Ei-los!… Vamos! Ateiem fogo às estantes das bibliotecas!… Desviem o curso dos canais, para inundar os museus!… Oh! a alegria de ver booiar à deriva, laceradas e desbotadas sobre aquelas águas, as velhas telas gloriosas!… Empunhem as picaretas, os machados, os martelos e destruam sem piedade as cidades veneradas!

Os mais velhos dentre nós têm 30 anos: resta-nos assim, pelo menos um decénio mais jovens e válidos que nós deitarão no cesto de papéis, como manuscritos inúteis. – Pois é isso que queremos!

Nossos sucessores virão de longe contra nós, de toda parte, dançando à cadência alada dos seus primeiros cantos, estendendo os dedos aduncos de predadores e farejando caninamente, às portas das academias, o bom cheiro das nossas mentes em putrefacção, já prometidas às catacumbas das bibliotecas.

Mas nós não estaremos lá… Por fim eles nos encontrarão – uma noite de inverno – em campo aberto, sob um triste telheiro tamborilado por monótona chuva, e nos verão agachados junto aos nossos aviões trepidantes, aquecendo as mãos ao fogo mesquinho proporcionado pelos nossos livros de hoje, flamejando sob o voo das nossas imagens.

Eles se amotinarão à nossa volta, ofegantes de angústia e despeito, e todos, exasperados pela nossa soberba, inestancável audácia, se precipitarão para matar-nos, impelidos por um ódio tanto mais mais implacável quanto os seus corações estiverem ébrios de amor e admiração por nós.

A forte e sã injustiça explodirá radiosa em seus olhos – A arte, de facto, não pode ser senão violência, crueldade e injustiça.

Os mais velhos dentre nós têm 30 anos: no entanto, temos já esbanjado tesouros, mil tesouros de força, de amor, de audácia, de astúcia e de vontade rude, precipitadamente, delirantemente, sem calcular, sem jamais hesitar, sem jamais repousar, até perder o fôlego… Olhai para nós! Ainda não estamos exaustos! Os nossos corações não sentem nenhuma fadiga, porque estão nutridos de fogo, de ódio e de velocidade!… Estais admirados? É lógico, pois não vos recordais sequer de ter vivido! Erectos sobre o pináculo do mundo, mais uma vez lançamos o nosso desafio às estrelas!

Vós nos opondes objecções?… Basta! Basta! Já as conhecemos… Já entendemos!… Nossa bela e hipócrita inteligência nos afirma que somos o resultado e o prolongamento dos nossos ancestrais. – Talvez!… Seja!… Mas que importa? Não queremos entender!… Ai de quem nos repetir essas palavras infames!…

Cabeça erguida!…

Erectos sobre o pináculo do mundo, mais uma vez lançamos o nosso desafio às estrelas.

Uma pletora de manifestos escritos por Marinetti e seus colegas seguiu-se, englobando o cinema, a pintura, a música, e a prosa futuristas, mais as implicações políticas e sociológicas.

Guerra, a Única Higiene do Mundo

O manifesto de Marinetti sobre a guerra mostra o lugar central que a violência e o conflito possuem na doutrina futurista, escrevendo da mesma maneira que em seu manifesto aos estudantes no ano anterior:

Nós Futuristas, que por maias de dois anos, desprezados pelos Aleijados e Paralisados, temos glorificado o amor do perigo e da violência, elogiado o patriotismo e a guerra, a higiene do mundo, estamos felizes em finalmente experimentar essa grande hora Futurista da Itália, enquanto a imunda tribo de pacifistas aninham-se agonizantes nas masmorras profundas do ridículo palácio em Haia. Nós tivemos recentemente o prazer de lutar nas ruas com os mais fervorosos adversários da guerra e gritar em suas faces nossas firmes crenças:

1. Todas as liberdades devem ser dadas ao indivíduo e à coletividade, menos a liberdade de ser covarde.

2. Que seja proclamado que a palavra Itália deve prevalecer sobre a palavra Liberdade.

3. Que a cansativa memória da grandeza romana seja cancelada por uma grandeza italiana cem vezes maior.

Para nós hoje, a Itália possui a forma e poder de um belo Couraçado de guerra com seu esquadrão de ilhas-torpedeiros. Orgulhosos de sentir que o fervor marcial por toda a nação é igual ao nosso, nós incitamos ao governo italiano, futurista finalmente, a magnificar todas as ambições nacionais, desdenhando as acusações estúpidas de pirataria, e proclamar o nascimento do Pan-Italianismo.

Poetas, pintores, escultores, e músicos futuristas da Itália! Enquanto a guerra durar deixemos de lado nossos versos, nossos pincéis, nossas escápulas, e orquestras! Os feriados vermelhos do gênio chegaram! Não há nada para nós admirarmos hoje além das espantosas sinfonias dos estilhaços e as insanas esculturas que nossa inspirada artilharia molda entre as massas do inimigo.

Soldado Artístico de Assalto

Marinetti empenhou seu caráter dinâmico em uma campanha agressiva para promover o Futurismo. Os futuristas objetivavam agravar a sociedade para longe da complacência burguesa e da existência segura através do teatro de rua inovador, da arte abrasiva, de discursos, e manifestos. O estilo oratório de Marinetti era ele próprio bombástico e trovejante. A arte ofensiva para a sociedade convencional e o establishment artístico. Se uma pintura era de um homem com um bigode, as suíças eram representadas com as cerdas do pincel coladas na tela. Um trem seria representado com as palavras “puff, puff”.

Tanto as palavras como os feitos dos futuristas encaixavam-se na natureza da arte em expressar o desprezo pelo status quo com sua preocupação com “passadismo” ou o “passé“. Marinetti por exemplo, descreveu Veneza como “uma cidade de peixes mortos e casas decadentes, habitadas por uma raça de garçons e cambistas”.

Para o futurista Boccioni, Dante, Beethoven e Michelangelo eram “nauseantes”, enquanto Carrà engajou-se em pintar sons, ruídos e até odores. Marinetti atravessou a Europa dando entrevistas, organizando exibições, encontros e jantares. Pôsteres em vermelhão com enormes letras quadradas soletrando “futurismo” foram colados por toda Itália em fábricas, salões de dança, cafés e praças. Performances futuristas foram organizadas para provocar tumultos. Colas eram colocadas em assentos. Dois bilhetes para um mesmo assento eram vendidos para provocar uma briga. “Música de ruído” (Noise) tocava enquanto poesia ou manifestos eram recitados e pinturas exibidas. Frutas e spaghetti estragados eram arremessados pela audiência, e as performances normalmente terminavam em pancadaria.

Marinetti respondia a deboches com humor. Ele comia a fruta lançada contra ele. Ele saudava a hostilidade como demonstrativo de que o futurismo não agradava ao medíocre.

Política

Os primeiros contatos políticos de Marinetti e os Futuristas foram com a esquerda ao invés de com a direita, apesar do nacionalismo extremo de Marinetti e seu elogio da guerra como a “higiene da humanidade, e seu apoio pelas aventuras embrionárias neo-imperiais da Itália, apoiando a invasão italiana da Líbia em 1912.” Houve sindicalistas e anarquistas que compartilhavam das opiniões de Marinetti sobre a natureza energizante e revolucionária da guerra e deram-lhe uma audiência.

Em 1909, Marinetti participou das eleições gerais e publicou um “Primeiro Manifesto Político” o qual é anti-clerical e afirma que o único programa político futurista é o “orgulho nacional”, pedindo pela eliminação do pacifismo e dos representantes da velha ordem. Durante esse ano, Marinetti esteve fortemente envolvido nas agitações pela soberania italiana sobre Trieste, governada pela Áustria. A aliança política com a extrema esquerda começou com o anarco-sindicalista Ottavio Dinale,  cujo jornal republicou o Manifesto Futurista. O jornal, La Demolizione era de uma natureza geral combativa, objetivando unificar em um “fascio” todos aqueles de tendências revolucionárias, para “fazer oposição com energia total à inércia e indolência que ameaça sufocar toda a vida”. A frase é distintamente futurista.

Marinetti anunciou que ele pretendia fazer campanha política tanto como sindicalista como nacionalista, uma síntese que eventualmente emergeria no Fascismo. Em 1910, ele forjou elos com a Associação Nacionalista Italiana, que possuía um programa sindicalista, pró-trabalhador.  Em 1913, um manifesto político futurista foi publicado que demandava a expansão das forças armadas, uma “política externa agressiva”, o expansionismo colonial, e o “pan-italianismo”; um “culto” do progresso, da velocidade, e do heroísmo; oposição à nostalgia por monumentos, ruínas, e museus; protecionismo econômico, anti-socialismo, anti-clericalismo. O movimento foi recebido com amplo entusiasmo entre estudantes universitários.

Intervenção

A chance para o “lugar sob o Sol” da Itália veio com a Primeira Guerra Mundial. Não apenas os nacionalistas demandavam a entrada da Itália na guerra, mas também certos sindicalistas revolucionários e uma facção de socialistas liderados por Mussolini. Dos letrados vieram D’Annunzio e Marinetti.

Em um manifesto endereçado aos estudantes em 1914 Marinetti afirma o propósito do futurismo e demanda a intervenção na guerra. O futurismo era o “médico” que curaria a Itália do “passadismo”, um remédio “válido para todo país”. O “culto dos ancestrais longe de cimentar a raça” estava fazendo dos italianos “anêmicos e pútridos”. O futurismo estava agora “sendo plenamente realizado na Grande Guerra Mundial”.

Sua exortação para que os estudantes italianos demandem o lugar da Itália no mundo através da participação na Guerra Mundial, garantia um aspecto romântico à campanha intervencionista que também foi assumida por D’Annunzio. Porém, longe de se inspirar na herança romana da Itália, Marinetti amaldiçoava o grande passado como um impedimento a um futuro ainda maior. Seu manifesto aos estudantes dá um insight no repúdio revolucionário do “passadismo” por Marinetti, porque “um passado ilustre está esmagando a Itália e um futuro infinitamente mais glorioso”.

Esse “passadismo” era condenado junto com a arqueologia, o academicismo, a velhice, o quietismo, a obsessão com o sexo, a indústria de turismo, etc. “Nosso nacionalismo ultra-violento, anti-clerical e anti-tradicionalista é baseado na inexaustibilidade do sangue italiano e na luta contra o culto do ancestral, que, longe de cimentar a raça, faz dela anêmica e podre…”

Marinetti, como muitos sindicalistas que romperam com a perspectiva internacionalista do socialismo ortodoxo, via a guerra como uma causa revolucionária, descreveu a guerra como “o mais belo poema futurista que já foi visto até agora”. O futurismo em si era guerra artística, e “a militarização dos artistas inovadores…”, a guerra como ação revolucionária varreria do poder todos os representnates decrépitos do passado: “diplomatas, professores, filósofos, arqueólogos, críticos, a obsessão cultural, o grego, o latim, a história, o senilismo, museus, bibliotecas, a indústria de turismo, etc.”. “A guerra promoverá a ginástica, o esporte, as escolas práticas de agricultura, comércio e indústria. A Guerra rejuvenescerá a Itália, a enriquecerá com homens de ação, a forçará a não viver mais do passado, de ruínas e do clima ameno, mas a partir de suas próprias forças nacionais”.

Os futuristas foram provavelmente os primeiros a organizar protestos em favor da guerra, segundo o Professor Jesnen. Mussolini e Marinetti fizeram seu primeiro encontro conjunto em Milão em 31 de março de 1915. Em abril, ambos foram presos em Roma por organizarem um protesto.

Os futuristas não eram meros falastrões. Os futuristas estiveram entre os primeiros a se alistarem para serviço ativo. Quase todos eles se distinguiram na guerra, como Mussolini e D’Annunzio. O arquiteto futurista Sant Elia foi morto, bem como Boccioni. Marinetti alistou-se com o regimento Alpini e foi ferido e condecorado por valor.

Partido Futurista

Em 1918, Marinetti começou a dirigir sua atenção a uma nova Itália pós-guerra. Ele publicou um manifesto anunciando o partido político futurista, cujo nome, interessantemente, era Fasci Politici Futuristi. O manifesto, uma elaboração do Manifesto Político Futurista de 1913, demandava por “nacionalismo revolucionário”, tanto por imperialismo como revolução social. “Nós devemos empreender nossa guerra até a vitória total”.

As demandas do manifesto incluíam as 8 horas diárias de trabalho e salários iguais para mulheres, a nacionalização e redistribuição de terra para os veteranos; impostos pesados sobre a riqueza herdada e a gradual abolição do casamento através do divórcio fácil; uma Itália forte livre de nostalgia, turistas, e padres; e a industrialização e modernização de “cidades moribundas” que vivem como centros turísticos. Uma política corporativista demandava a abolição do Parlamento e sua substituição por um governo técnico de 30 ou 40 jovens diretores escolhidos das associações de ofícios.

O partido futurista concentrou sua propaganda nos soldados, e recrutou muitos veteranos de guerra das tropas de elite Arditi, as tropas de choque de camise negra do exército que investiam no combate nus até a cintura, com uma granada em cada mão e uma adaga entre os dentes. Enquanto o programa era extremo demais para ter apelo popular, ele conquistou muitos veteranos Arditi, que tornaram-se a base de um movimento político futurista. Em 1919 o veterano Arditi e futurista, Mario Carli, fundou a Associação Arditi, com Roma Futurista como seu órgão, e a associação logo teve 10.000 membros.

Em dezembro de 1919, os futuristas reviveram os “Fasci” ou “grupos”, que haviam sido organizados em 1914 e 1915 para fazer campanha pela intervenção na guerra,  e dos quais emergeriam os fascistas.

Futuristas & Fascistas

A primeira ação conjunta pós-guerra entre Mussolini e Marinetti ocorreu em 1919 quando uma manifestação do Partido Socialista foi atrapalhada em Milão, em que o socialista Bissolati estava tentando defender um programa de renúncia italiana das reivindicações dos territórios pertencentes majoritariamente a italianos étnicos, porém sob soberania estrangeira. O professor Jensen afirma que esta foi “a primeira violência política planejada na Itália pós-guerra”.

Naquele ano Mussolini fundou sua própria Fasci di Combattimento em Milão com o apoio de Marinetti e do poeta Ungaretti. Os futuristas e os Arditi compunham o núcleo da liderança fascista. O primeiro manifesto fascista foi baseado no manifesto do partido futurista de Marinetti.

Em abril, contra a vontade de Mussolini que achava essa ação prematura, Marinetti liderou fascistas e futuristas e arditi contra uma manifestação massiva do Partido Socialista. Marinetti lançou-se com punhos, mas interviu para salvar um socialista de ser espancado por arditi. (Para colocar a situação pós-guerra em perspectiva, os socialistas haviam regularmente espancado, abusado, e até assassinado veteranos de guerra). Os fascistas e futuristas então prosseguiram até o escritório do jornal socialista Avanti, o qual eles saquearam e queimaram.

Marinetti concorreu como candidato fascista nas eleições de 1919 em Milão e persuadiu o maestro Toscanini a fazê-lo também. Os resultados foram ruins.

Enquanto a base para a fundação do partido fascista haviam sido os veteranos arditi liderados pelos futuristas, a rejeição extrema da tradição pelos futuristas sempre faria com que esta fosse uma aliança inquieta, apesar da base doutrinária do fascismo ser uma de síntese dialética. Está claro que Marinetti não acreditava em qualquer síntese do tipo, ou com o que ele certamente teria considerado como compromisso com o “passadismo”.

Quando o Congresso Fascista de 1920 recusou-se a apoiar a demanda futurista pelo exílio do rei e do Papa, Marinetti e outros futuristas abandonaram o partido fascista. Marinetti considerou que o partido fascista estava comprometendo-se com o conservadorismo e com a burguesia. Ele também era crítica da concentração fascista na agitação anti-socialista e em sua oposição a greves. Certas facções futuristas realinharam-se especificamente com a extrema esquerda. Em 1922, houve diversas exibições e performances futuristas organizadas pela associação cultural comunista, a Proletkult, que também organizou uma palestra por Marinetti para explicar a doutrina do futurismo, porém a linha leninista, apesar dos sentimentos pró-futuristas do comissário de educação soviético Lunacharsky, logo rejeitou o futurismo e elementos futuristas foram expurgados do partido comunista.

Quando os fascistas assumiram o poder em 1922 Marinetti, como D’Annunzio, foi um apoiador crítico do regime. Marinetti considerou: “A chegada ao poder dos fascistas contituí a realização do programa futurista mínimo”.  Ele aludiu ao papel que os futuristas tiveram em fundar as associações de veteranos arditi e em estarem entre os primeiros membros do Fasci de Combattimento.

De Mussolini o estadista, Marinetti escreveu: “Profetas e precursores da grande Itália de hoje, nós futuristas estamos felizes em saudar nosso Primeiro-Ministro de maravilhoso temperamento futurista”.

Em 1923, Marinetti começou uma reaproximação com os fascistas, já tendo agora Mussolini assumido o governo da Itália. Em 1 de maio de 1923, o manifesto de Marinetti “Império Italiano” lembrou Mussolini da agitação futurista pelo ressurgimento imperial italiano, e incitava Mussolini a rejeitar qualquer aliança com conservadores, monarquistas, clérigos, ou socialistas.

Naquele ano ele também apresentou a Mussolini seu manifesto “Os Direitos Artísticos Promovidos pelos Futuristas Italianos”.  Aqui ele rejeitou o alinhamento dos futuristas na URSS. Ele apontou para os sentimentos futuristas que haviam sido expressados por Mussolini em discursos, aludindo ao fascismo como sendo um “governo de velocidade, cortando tudo que representa estagnação na vida nacional”. Sob a liderança de Mussolini, escreve Marinetti:

O Fascismo rejuvenesceu a Itália. É agora seu dever ajudar-nos a reparar o establishment artístico… A revolução política deve sustentar as revoluções artísticas.

Marinetti estava entre os intelectuais do Congresso Fascista que em 1923 aprovaram as medidas tomadas pelo regime para restaurar a ordem pela supressão de certas liberdades constitucionais entre o caos crescente causado tanto por squadristas fascistas radicais fora de controle e anti-fascistas.

No Congresso Futurista de 1924, os delegados aprovaram a declaração de Marinetti:

Os Futuristas Italianos, mais do que nunca devotados às idéias e à arte, completamente distantes da política, dizem a seu velho camarada Benito Mussolini, livre-se do Parlamento com um golpe violento e necessário. Restaure para o Fascismo e para a Itália o maravilhoso, desinteressado, ousado espírito anti-socialista, anti-clerical, anti-monárquico… Recuse permitir que a monarquia sufoque a maior, mais brilhante e justa Itália de amanhã… Esmague a oposição clerical… Com uma dura e dinâmica aristocracia do pensamento.

Em 1929, Marinetti aceitou sua escolha para a Academia Italiana, considerando importante que o “Futurismo seja representado”. Ele também foi escolhido Secretário para a União dos Escritores Fascistas e como tal foi o representante oficial para a cultura fascista.  O futurismo tornou-se uma parte das exibições culturais fascistas e foi utilizado na arte de propaganda do regime. Durante a década de 30 em particular a expressão cultural fascista estava passando por uma transição para longe da tradição e na direção do futurismo, com a ênfase fascista na tecnologia e na modernização. Mussolini já havia em 1926 definido a criação de uma “arte fascista” que seria baseada em uma síntese cultural, como ela era a nível político: “tradicionalista e ao mesmo tempo moderna”.  Porém, o futurismo jamais tornou-se a “Arte de Estado” oficial do regime fascista. Griffin afirma: “Em contraste marcante com o Terceiro Reich, a Itália Fascista acomodou vários graus de modernismo (incluindo o movimento internacional, o futurismo, e a abstração) ao lado de elementos neoclássicos ou abertamente antimodernistas”.

Dos movimentos modernistas, além do futurismo, o Novecento (“Século Vinte”) parece ter sido o mais significativo, que celebrava o dinamismo da vida urbana moderna e desenvolvia uma arquitetura neoclássica. Do outro lado, houve aqueles fascistas proeminentes que buscaram uma posição direitista mais familiar em oposição ao modernismo estético como uma “algazarra internacionalista, bastarda, estrangeira, manipulada por banqueiros, pederastas, e cafetões judeus”, que se adotado corromperia a raça italiana; como Mino Maccari, editor de Il Selvaggio, afirmou, com uma referência específica ao Novecento.

Não obstante, o futurismo manteve sua posição entre outras escolas estéticas, modernistas e tradicionais, e o próprio Marinetti permaneceu fiel ao regime quando o colapso chegou.

Em 1943, com os Aliados invadindo a Itália, o Grande Concílio Fascista derrubou Mussolini e rendeu-se às forças de ocupação. Os fascistas fieis estabeleceram uma última resistência, no norte, chamada República Social Italiana, ou República de Saló.

Com um novo idealismo, até antigos comunistas e líderes liberais foram atraídos para a República. O Manifesto de Verona foi redigido, restaurando várias liberdades, e defendendo o trabalho contra a plutocracia dentro da visão de uma Europa unida.

Marinetti continou a ser honrado pela República Social. Ele morreu em 1944.

Source: http://legio-victrix.blogspot.com/2011/12/filippo-marinetti.html [3]